O entendimento dos diferentes tipos de energia elétrica que são contabilizados e apurados pela CCEE para fins de apuração de lastro e desconto é algo fundamental para uma correta gestão do portfólio dos agentes, sejam eles consumidores, geradores ou comercializadores.

Por “tipo de energia” subentende-se a diferenciação da energia negociada no mercado de acordo com a existência ou não de desconto nas tarifas de uso dos sistemas elétricos de transmissão e distribuição (TUSD e TUST) e com a possibilidade de servir de lastro para consumidores especiais.

Todavia não é raro que seja feita confusão entre esses tipos de energia. A confusão é de certa forma compreensível, pois com o tempo os agentes padronizaram siglas para negociação de energia (i5, i0 etc.) que nem sempre contribuem para o correto entendimento das características de cada energia.

O presente artigo tem por intuito trazer maior clareza a esse assunto àqueles que possuem pouca experiência no mercado de energia elétrica, e está dividido em duas partes: a primeira contendo um resumo histórico da legislação sobre o tema; e a segunda correlacionando o assunto com o dia a dia da comercialização de energia.

Parte 1 – Histórico legislativo

  A Lei nº 9.074/1995 tratou, em seus arts. 15 e 16, da compra bilateral de energia elétrica por consumidores. Naquela altura, foi definido que os consumidores com carga igual ou maior que 10.000 kW e tensão a partir de 69 kV poderiam contratar seu fornecimento com produtor independente de energia elétrica. Caso se tratasse de novas unidades consumidoras, a energia poderia ser contratada com qualquer fornecedor, desde que sua carga fosse igual ou superior a 3.000 kW, sem limite de tensão.

Após três anos da publicação da Lei, os consumidores existentes poderiam contratar sua energia com qualquer concessionário, permissionário ou autorizado de energia elétrica, e passados mais dois anos essa permissão se estenderia aos consumidores com carga igual ou superior a 3.000 kW, tornando este limite compatível com o definido para novos consumidores.

A Lei nº 9.074/1995 também estabeleceu que após 8 anos de sua publicação o poder concedente poderia reduzir os limites de tensão e carga acima mencionados. Assim, o limite de 69 kV para consumidores existentes foi extinto a partir de 2019, por força da Lei nº 13.360/2016. Já a carga mínima passou a ser gradativamente reduzida para todos os consumidores a partir de 2020, nos termos das portarias nº 514/2018 e 465/2019 do MME, sendo definido atualmente em 1.500 kW e chegando a 500 kW a partir de 2023.

Esses consumidores, como é de conhecimento comum no setor, são os chamados consumidores livres de energia. Para essa classe de consumo não há restrição quanto à fonte de energia contratada, sendo os únicos pré-requisitos os limites mínimos de carga e tensão supracitados.

Entretanto em 1998 foi publicada a Lei nº 9.648, que promoveu alterações na Lei de criação da ANEEL (9.427/1996). Uma dessas alterações foi a instituição de uma exceção com relação aos limites para acesso ao mercado livre de energia, sendo determinado que as hidrelétricas com potência entre 1.000 kW e 10.000 kW poderiam comercializar sua energia com consumidores cuja carga fosse igual ou superior a 500 kW.

Foi criada assim a figura do consumidor especial – ou seja, um consumidor que não atinge os requisitos definidos pela Lei nº 9.074/1995 para ser considerado livre, porém pode realizar a contratação bilateral de seu fornecimento desde que com geradores específicos. A definição desses geradores foi feita no intuito de incentivar a geração por empreendimentos com menor impacto ambiental.

A partir de 2003, por força da Lei nº 10.762, foram incluídos como geradores cuja energia pode ser comercializada com consumidores especiais as usinas de fonte eólica, biomassa, solar e hidrelétricas pequenas sem características de PCHs, desde que atendido determinado limite de potência. Esse limite inicialmente era de 30.000 kW, mas desde 2009, nos termos da Lei nº 11.943, passou a ser de 50.000 kW – exceto para as PCHs, cuja potência máxima ainda deve ser de 30.000 kW.

Contudo a Lei nº 9.648/1998 promoveu outra alteração relevante na Lei nº 9.427/1996: o estabelecimento de desconto não inferior a 50% nas tarifas de uso dos sistemas elétricos de transmissão e distribuição (TUSD e TUST) para as UHEs com potência entre 1.000 kW e 10.000 kW – exatamente as mesmas usinas que foram autorizadas a negociar energia com consumidores especiais.

A partir de 2003 também foram incluídas entre as usinas elegíveis ao desconto aquelas de fonte eólica, solar e biomassa cuja potência máxima fosse de 30.000 kW, além de usinas de cogeração qualificada (usinas termelétricas que utilizem processo de cogeração e se enquadrem em critérios de eficiência energético definidos pela ANEEL, atualmente contidos na Resolução Normativa nº 235/2006). Nota-se que nessa altura as mesmas fontes habilitadas para negociar sua energia com consumidores especiais também eram elegíveis ao desconto na TUSD/TUST, exceção feita à cogeração qualificada.

Essa distinção entre geração de energia especial e geração de energia com desconto – que passou a ser chamada de energia incentivada – ficou mais nítida a partir de 2009, pois a partir de então, conforme mencionado anteriormente, o limite de potência para os geradores de energia especial passou a ser de 50.000 kW, enquanto o limite para recebimento do desconto permaneceu em 30.000 kW.

Desde 2009, então, poderia haver quatro tipos de energia distintos: energia convencional não especial (ex.: termelétricas a diesel); energia convencional especial (ex.: eólicas acima de 30.000 kW e igual ou inferior a 50.000 kW); energia incentivada não especial (ex.: cogeração qualificada); e energia incentivada especial (ex.: eólicas até 30.000 kW).

Vale destacar que os limites para elegibilidade ao desconto na TUSD/TUST também passaram por diversas alterações, notadamente a partir de 2015. Atualmente, possuem desconto de 50% as usinas de fonte solar, eólica, biomassa ou cogeração qualificada, sendo que o limite de potência foi elevado para 300.000 kW desde que a usina tenha sido autorizada ou vendido energia em leilão a partir de 1º de janeiro de 2016; e as PCHs, limitadas a 30.000 kW de potência.

Também têm direito ao desconto de 50% as usinas eólicas, solares e a biomassa anteriores a 1º de janeiro de 2016 com ampliação após essa data, limitadas a 300.000 kW de potência total; as termelétricas a biomassa anteriores a 2016 que possuam até 50.000 kW; e as UHEs com até 50.000 kW de potência que não tenham características de PCH. Contudo para esses casos a aplicação do desconto fica limitada a 30.000 kW, conforme reza a Lei nº 13.299/2016.

Há, ainda, percentuais de descontos diferenciados para algumas usinas. É o caso das usinas fotovoltaicas que entraram em operação comercial até 31 de dezembro de 2017, que têm direito a desconto de 80% pelos primeiros 10 anos de operação, e das usinas que utilizem como insumo energético biomassa a partir de resíduos sólidos urbanos e/ou biogás, que recebem 100% de desconto na TUSD/TUST.

É importante ressaltar que a Lei nº 14.120/2021, publicada em 02 de março no Diário Oficial da União, determina o fim do desconto na TUSD/TUST para empreendimentos cuja outorga tenha sido emitida após 12 meses contados da data de publicação. Os empreendimentos autorizados dentro desse prazo permanecerão com seus descontos até o fim da outorga, sendo o desconto extinto em caso de renovação – exceção feita às novas UHEs com potência de até 30.000 kW, que terão seu desconto mantido em 50% por 5 anos adicionais e em 25% por outros 5 anos.

Parte 2 – Identificando os diferentes tipos de energia

 Uma vez compreendida a origem e fundamentação das energias especial e incentivada, pode-se identificar os diferentes tipos de energia conforme o quadro a seguir:

Fonte: Regras de Comercialização da CCEE, Caderno 02 – Medição Contábil

Já a diferenciação do tipo de energia gerado por cada usina de acordo com a fonte, a potência e a data de outorga/venda em leilão podem ser obtida por meio do quadro abaixo:

Fonte: Regras de Comercialização da CCEE, Caderno 02 – Medição Contábil

Embora o último quadro seja aparentemente complexo, para a maioria dos agentes do setor não é necessário conhecê-lo a fundo. Essa compreensão profunda será necessária principalmente para grupos de geração com portfólio diversificado, enquanto para os demais agentes a compreensão sobre qual é tipo de energia que está sendo comercializado costuma ser o suficiente para correta atuação no mercado livre de energia.

Porém uma confusão frequente tem relação com as siglas adotadas pelo mercado para negociação e registro da energia na CCEE. Um exemplo é a energia conhecida como i0, cuja sigla significaria, grosso modo, “incentivada com 0% de desconto” – o que não faz sentido, pois, como visto anteriormente, a nomenclatura “incentivada” está diretamente relacionada à existência de desconto atrelado à energia.

Isso ocorre em razão do período em que as usinas qualificáveis a geração de energia especial e incentivada eram basicamente as mesmas. Assim, quando foi adotado o sistema de siglas para facilitar as transações de energia, nas situações em que a energia era incentivada e especial o que prevaleceu na sigla foi somente a denominação como incentivada – visto que esta é negociada com um prêmio sobre o valor da energia convencional, decorrente do benefício financeiro obtido pelo desconto na TUSD/TUST. Sendo assim, foram criadas as siglas i5 (incentivada com 50% de desconto), i1 (100% de desconto) e i8 (80% de desconto), todas elas relacionadas a energia incentivada especial.

Devido a essa confusão natural entre os conceitos, acabou predominando entre os agentes a ideia incorreta de que a energia que deve ser adquirida por consumidores especiais é a incentivada, independentemente do desconto. É por esse motivo que a energia convencional especial passou a ser denominada pela sigla i0, uma vez que se trata de uma energia sem desconto, mas que pode atender a consumidores especiais.

Outra confusão comum é relacionada à energia incentivada não especial. Originalmente os únicos produtores desse tipo de energia eram as usinas de cogeração qualificada, o que rendeu a essa energia a sigla CQ5. Porém desde 2016 as usinas de fonte eólica, solar e biomassa que possuam entre 50.000 kW e 300.000 kW também são produtores de energia incentivada não especial, o que torna contraintuitivo o uso da sigla CQ5 (ainda que seja o mesmo tipo de energia).

É importante compreender que as siglas para os diferentes tipos de energia são um padrão utilizado pelo mercado para negociação e controle do portfólio, porém não são utilizadas pela CCEE para fins de contabilização. O que é considerado na contabilização é o tipo da energia, independentemente de sua sigla. Dessa forma, retomando o exemplo acima, não há diferença se uma energia registrada em um perfil de CQ5 é oriunda de cogeração qualificada ou de uma usina fotovoltaica com potência acima de 50.000 kW, pois em ambos os casos se trata de energia incentivada não especial com 50% de desconto.

SiglaTipo de energia
ConvencionalEnergia convencional não especial
I0Energia convencional especial
I5Energia incentivada especial (50% de desconto)
I1Energia incentivada especial (100% de desconto)
I8Energia incentivada especial (80% de desconto)
CQ5Energia incentivada não especial (50% de desconto)
CQ1Energia incentivada não especial (100% de desconto)
Fonte: Elaboração própria

Percebe-se, portanto, que a identificação do tipo de energia deve ser feita não pelo significado das siglas utilizadas pelos agentes do mercado, mas sim pela característica da energia que padronizou-se chamar por aquela sigla. Sendo assim, é importante conhecer cada produto comprado e/ou vendido, a fim de não haver surpresas negativas durante a apuração de penalidades e de descontos pela CCEE.

Artigo redigido por: Michel Leodonio

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